O mercado acionista dos Estados Unidos, consolidado no índice S&P 500, depois de algumas semanas a lateralizar, começa a mostrar sinais de fragilidade, apesar de estar próximo de máximos históricos. Os economistas alertam para a vulnerabilidade crescente das principais ações, que podem enfrentar correções significativas. As políticas tarifárias agressivas da nova administração americana adicionam uma camada de incerteza ao cenário económico.
Sinais de fragilidade
A fragilidade das ações entre as 50 maiores empresas do S&P 500 atingiu níveis não vistos em mais de três décadas. Empresas de tecnologia como Apple, Amazon, Microsoft e Nvidia, bem como instituições financeiras como JPMorgan Chase e Wells Fargo, começam a acender sinais de alerta. A fragilidade mede o quanto o preço da ação varia diariamente em relação à sua volatilidade habitual. A métrica aumentou indicando que estão mais suscetíveis a flutuações bruscas, mesmo sem mudanças fundamentais nos seus negócios.
Quando aconteceu o mesmo fenómeno? No momento que antecedeu o estouro da bolha das empresas ponto.com no final dos anos 1990, à época o mercado apresentava valorizações excessivas sem fundamentos sólidos, levando a uma correção drástica quando a confiança dos investidores diminuiu.

Gráfico semanal do SP500 desde Junho de 2024. Crescimento de mais de 20% desde Julho de 2024. Mas de Dezembro até agora (Fevereiro 2025) o índice começa a dar sinais de fragilidade
Impacto das Políticas Tarifárias na Economia
A nova administração americana, liderada pelo presidente Trump, anunciou a intenção de aumentar as tarifas de importação entre 10% e 20% para todos os produtos que entram nos Estados Unidos, chegando a 60% para os provenientes da China e até 200% para bens específicos. O objetivo declarado é melhorar a arrecadação fiscal e proteger a indústria doméstica. No entanto, tal política pode ter efeitos adversos significativos. Pode ser um disparo para o próprio pé.
O PIB americano pode ficar pressionado em perto de 1%, a inflação pode aumentar mais de 0,5%. A União Europeia pode ver travado o seu PIB também em quase 0,3% e pressionará, embora de modo menos significativo que do lado de lá do atlântico, os valores de inflação.
Dinâmicas entre dados económicos, valor do dólar e das ações
Membros da Reserva Federal americana, consideram que os aumentos das tarifas não venham a ter efeito “significativo ou persistente” sobre a inflação, mas reconhecem a incerteza que essas políticas trazem para a economia.
Para conter a inflação, o Fed pode optar por aumentar as taxas de juros, tornando o dólar mais forte. Tal pode afetar negativamente as exportações americanas, reduzindo a competitividade das empresas no mercado global e potencialmente impactando os seus lucros.
A avaliação de ações já consideradas sobrevalorizadas pode não suportar pressões adicionais, como custos mais altos e procura mais reduzida. Isso pode levar a uma reavaliação por parte dos investidores, resultando em vendas de ações e correções no mercado.
A história económica mostra que períodos de políticas protecionistas e avaliações inflacionadas frequentemente precedem correções de mercado, como observado durante a Grande Depressão na década de 1930 e a crise financeira de 2008.
O rácio Shiller P/E
O índice S&P 500 é um dos principais termómetros da economia norte-americana e, por extensão, da economia global. Os investidores atentos sabem que nem sempre os números positivos significam estabilidade. Uma das ferramentas mais valiosas para avaliar o verdadeiro estado do mercado é o Shiller P/E Ratio, um indicador que ajusta o preço das ações pelos lucros médios dos últimos 10 anos, corrigidos pela inflação.
O índice Shiller P/E atingiu valores acima de 38 pontos, valor significativamente acima da média histórica de 17,2 (desde 1871). Para contextualizar, o índice só ultrapassou a marca de 38 em três ocasiões nos últimos 154 anos. Além do valor atual, só em mais dois momentos, durante períodos de euforia de mercado que antecederam quedas severas:
- Dezembro de 1999 (44,19): Precedeu o colapso da bolha dot-com, que resultou numa desvalorização de 49% no S&P 500 e de impressionantes 78% no Nasdaq.
- Janeiro de 2022 (acima de 40): Antecedeu o mercado baixista de 2022, com quedas significativas em todos os principais índices.
Embora o Shiller P/E Ratio não seja um dado inquestionável, também só aconteceu outras duas vezes, mas em ambas as anteriores vezes, as correções aconteceram.
O índice acima de 30 em mercados altistas ocorreu seis vezes, sempre precedendo descidas de 20% a 89% em pelo menos um dos três grandes índices dos EUA.

Correções fazem parte do ciclo
A história do mercado financeiro mostra que as correções são frequentes e fazem parte do ciclo económico. Desde 1950, o S&P 500 esteve em algum nível de correção em 93% do tempo, sendo as quedas abaixo de 5% as mais comuns (37% das vezes). Por outro lado, quedas acima de 20% ocorrem em 21% das vezes.
Embora muitos investidores temam as correções, é importante entendê-las como ajustamentos naturais do mercado. A última correção ocorreu há mais de 300 dias, superando a média histórica de 173 dias. Isso indica que estamos atrasados em relação ao ciclo típico de correções, o que aumenta a probabilidade de um ajuste em breve.
Lições aprendidas e ciclo de sentimentos de quem investe
Atenção que, correções não significam necessariamente colapsos.
Analisando as correções passadas, surgem lições valiosas para investidores e analistas. Em 2020, muitos subestimaram o impacto dos estímulos monetários e fiscais, como o Quantitative Easing (QE) e as taxas de juros zero. A recuperação rápida após a pandemia foi inesperada, evidenciando a importância de considerar intervenções externas nos modelos de risco.
Outro aspeto crucial é o ciclo de sentimentos dos investidores, que alterna entre otimismo extremo e pessimismo profundo. Em 2022, a correção começou após um período de entusiasmo exagerado e aumentos agressivos de juros pelo Federal Reserve (Fed).
A memória coletiva tende a focar-se nos ganhos, ignorando as perdas significativas durante crises. Desde 1900, o mercado subiu em 73% do tempo, com bull markets a durar em média cinco anos e meio, enquanto bear markets são mais curtos, mas extremamente destrutivos.

Conclusão
Existem indícios de uma inclinação para o pessimismo nos próximos tempos, motivados por diversos fatores:
- A exuberância do mercado em níveis críticos, com alta alocação de ações, sendo no último ano a Inteligência Artificial sido responsável pelo arrastar do SP500, com ganhos consecutivos por um período de dois anos, não vistos desde 1997/1998.
- Lucros como percentagem do PIB estão em níveis extremos. Caso as políticas fiscais endureçam, é esperado um impacto negativo nos lucros e no crescimento económico.
- Existe ainda a expectativa de cortes no déficit público, o que pode resultar em menor estímulo económico e,
As correções de mercado, a acontecerem, trarão volatilidade para os próximos meses. Elas fazem parte do ciclo natural de qualquer ativo financeiro. Contudo, é crucial manter a disciplina e a perspetiva de longo prazo, evitando decisões impulsivas com base em previsões de curto prazo.
A história ensina que o mercado é cíclico, os retornos são positivos a longo prazo, para navegar por este ambiente complexo, a diversificação de portfólio, o planeamento financeiro rigoroso e a análise técnica bem fundamentada permanecem como os pilares fundamentais de uma estratégia de investimento robusta. É necessária atenção à “matrix” de interseção entre políticas económicas, indicadores macroeconómicos e avaliações de mercado. Uma abordagem cautelosa e informada é essencial para navegar neste ambiente potencialmente volátil.